A parte chata



Talvez eu devesse ter escrito este post ontem, com as emoções à flor-da-pele. É que agora eu pareço mais seca do que emotiva. O olhar paralisado, distante. E já esqueci parte do conteúdo da conversa que vou relatar, restando apenas aquilo que me marcou, que pegou forte no meu peito e que me fez chorar. Por conta disso posso ser injusta ao mostrar apenas um lado da moeda, o meu. Mas este blog é público. Está aberto para que esta outra pessoa se coloque do outro lado, o que iria ser legal demais. Maduro. Interessante.

E na velha história sobre a banca (ver post clicando aqui) ...

Toca o celular. 8:30. Manhã de sexta-feira, uns dois meses atrás. É o tal do professor dizendo que havia chegado a hora de conversarmos. Sim, assim que possível. Desculpou-se pelo horário, mas ele estava partindo para uma viagem e só voltaria no fim da outra semana, etc e tal [interessante esta estratégia de me deixar uma semana esperando, pensativa]. Esperei que ele retornasse para devolver a ligação e, assim, marcarmos o local do encontro [é claro que eu estava curiosa por saber o que ele gostaria de me dizer]. Olha, eu estou com uma gripe, não vai dar pra gente conversar agora, quando eu puder eu te ligo. Entendi a mensagem e desencanei de novo. Foi rebate falso, ele não tinha nada para me dizer. Um mês depois toca o telefone. A mesma história, que poderíamos almoçar e conversar [então ele tinha mesmo alguma coisa pra dizer, que legal!]. E ficou para a ocasião do Congresso. Eu até tentei adiantar, para tirar esta conversa da agitação, do lobby. Liguei para ele, mas não deu certo.

E no Congresso...

O primeiro dia passou e ele não ligou. É claro que eu já tinha me dado conta de que o almoço teria dançando, que a conversa ficaria para a casualidade do encontro, inevitável quando duas pessoas freqüentam o mesmo ambiente e que têm os mesmos interesses acadêmicos. Sessão de Pôsteres [esta, um detalhe à parte, escreverei em outra ocasião]. Avistei ele de longe, e respirei fundo. Me puxou de canto, e fomos ter a tal conversa para trás do biombo.

- Sabe Fernanda, eu fiquei pensando no que eu tinha para falar pra você, mas eu não tenho nada para dizer. Acho melhor a gente deixar tudo como está, cada um na sua [mas com alguma coisa em comum?].

Eu estava incrédula. Quer dizer, o cara me tirou do meu todo dia por dois meses (é, eu estava quietinha no meu canto, sem mexer em ferida alguma, "de boa", como dizem meu alunos) para dizer que não tinha nada a me dizer? Bom, não faltaram oportunidades dele me dizer isso por telefone, ou por e-mail, ou por um porta-voz, sei lá. E o que eu poderia falar numa hora dessas? Nada, nadinha. Então ele continuou:

- Você me fez muito mal. Você me fez muito mal mesmo, como poucas pessoas fizeram comigo. Eu não sabia que você achava um monte de coisas de mim [de que coisas será que ele estava falando? Para não ser injusta, prometo voltar aqui depois e escrever sobre o que eu penso dele. Registrar, com firma reconhecida em cartório e tudo, para acabar com as dúvidas].

Eu me lembro de ter dito que gostava dele (mas internamente não me senti bem). Eu queria saber que tipo de mal eu fiz para ele, porque até onde eu sei, eu apenas questionei uma decisão que ele tomou e a forma como ele fez isso. Mas de repente eu estava lá, olhando para um homem cansado, envelhecido, se sentindo tão magoado quanto eu me sentia. E eu me senti meio mal por eu estar me sentindo bem, apesar da mágoa. É que de repente eu me dei conta de que minha vida não está tão pesada e eu tenho me sentido forte, dona de mim mesma, viva.

Alguém chegou e nos despedimos, passaríamos uma borracha por cima. Foi uma escolha dele e quando ele me perguntou se eu queria dizer alguma coisa, eu apenas concordei em nos apagarmos, mesmo querendo ter dito um monte de outras coisas, saber exatamente qual foi o mal que provoquei (para esclarecer os desentendimentos) e também saber exatamente o que ele achava que eu achava dele (para esclarecer os equívocos).

Me virei para ir embora e dois segundos depois as lágrimas rolavam pelo meu rosto. Só Deus sabe o quanto este homem foi importante na minha vida, o quanto eu o admirava, o quanto eu gostaria de ter me doutorado ao seu lado. Mas dez anos depois de termos nos conhecido, este cruel "bye bye, so long, farewell". Então é assim mesmo, nós nos descartamos, apertamos a tecla del e passamos a pensar no quanto a vida vai parecer mais fácil daqui para frente. No quanto os nossos valores acadêmicos são diferentes, já que o almoço do meio-termo não existiu. No tamanho de nossas ilusões um com o outro e no jeito estranho deste "adeus, a gente se cruza por ai".