e no comércio de trabalhos acadêmicos...

E no comércio de trabalhos acadêmicos o buraco é mais embaixo. Sem exagero, está lá na primeira série do ensino fundamental, quando a criança tem 6 ou 7 anos.

Eu não sei quanto aos outros estudantes, mas eu aprendi a fazer trabalho de escola copiando enciclopédias (é que ainda não existia a facilidade da internete, infelizmente). Eu aprendi a fazer isso em boa escola, aliás. Escola de ensino tradicional, destinada à classe média alta e ao esforço de pais e mães da classe média, como os meus, que se sacrificam para pagar mensalidade tão cara pela educação dos filhos.

Foi nesta escola, na primeira série, que aprendi a copiar palavras que foram ficando mais complexas na medida em que os anos iam passando. Na quinta série existia um mito causado pela troca de professores que iam e vinham com a divisão de matérias. A matemática, por exemplo, deixando de ser um simples exercício de somar, deveria implicar em pensamento e em raciocínio. Um mito que foi logo desfeito, pois passamos a copiar equações e a reproduzir pensamentos. A diferença é que, dependendo do trabalho, principalmente para aqueles distantes das disciplinas exatas (uma fórmula não muda de um livro para outro), os alunos, já adaptados, continuavam a copiar, mas o faziam com um pouco mais de diversidade bibliográfica, faziam cópias de diferentes trechos tirados de dois ou três livros apanhados na biblioteca. Para os alunos menos esforçados um só livro dava conta e garantia-lhe a mediocridade da nota mínima de aprovação no curso. Era assim que chegávamos ao colegial, hoje o Ensino Médio, onde continuávamos copiando, copiando, copiando. Vez ou outra o professor pedia uma análise crítica, além da pesquisa. Folha inteira era mais do que suficiente e meia folha estava bom para a mediocridade. Acho que este era o único momento em que éramos feitos pensar sem ser na morte da bezerra - que era o que geralmente acontecia quando simplesmente realizávamos um esforço braçal de reproduzir algumas letras em próprio punho. Acho que é assim até hoje. O aluno vira uma máquina de reproduzir assim que entra na escola, com a diferença de, hoje, a coisa ser digital. É claro, há exceções.

Óquei, então este aluno que aprendeu a copiar lá na primeira série (que arrisco em dizer ser a maioria), e que nunca foi reprovado por isso (estou desconsiderando o programa de aceleramento e de aprovação automática instituídos pelo governo, e que contribuem para a lacuna do engodo educacional), também vai copiar letras quando chega no ensino superior. Óbvio, ele não sabe fazer de outro jeito. Nunca soube. Repito, há exceções. Daí, considerando as tais das exceções, o carinha vai copiando até o último ano da faculdade. Aliás, durante todos estes anos ele viu seus professores fazerem exatamente a mesma coisa. É aí que eu acho que o buraco está mais embaixo, porque também os professores já não conseguem mais ministrar aulas sem recursos audio-visuais, como o retroprojetor e o data-show. Não vivem sem suas "colas". Aham! O professor lê um livro, acha uma frase bonita, seleciona, copia e projeta sua imagem para seus alunos. Alguns, os mais éticos, têm o bom-senso de dizer o autor da frase, mas nem sempre.

(Nem questiono o plágio aqui, porque é um assunto facilmente resolvido acrescentando-se antes de cada parágrafo a expressão "segundo fulano de tal blá blá blá", "para beltrano blá blá blá", desde que os parágrafos copiados de cada obra não passem de 30% da mesma. Expressões acadêmicas que eu considero serem assassinas do pensamento reflectivo, inclusive).

Cópia por cópia, questiono se há diferença, em termos de aprendizagem, do aluno que copia e do aluno que compra um trabalho acadêmico. Ambos estão dispensados de pensar, e isto, para mim, é um crime que reflete o sistema como um todo: o carinha aprendeu a copiar na primeira série do ensino fundamental, vai ser reprovado no último dia do ensino superior?

Acho uma lógica ilógica e acho ainda mais. Acho que o aluno que compra um trabalho acadêmico já entendeu o engodo que é o sistema educacional. Se assim não o fosse, não haveria margens para ele acreditar que ao comprar um trabalho, ao pedir que um colega lhe faça o favor de acrescentar seu nome num trabalho qualquer, ele terá a mesma recompensa do diploma ao término de suas obrigações de entregar trabalhos para o professor e de fazer provas, seguindo as regras previamente estabelecidas pela instituição.

Ora, se o aluno compreende isso tudo, se ele é capaz de enxergar a falha do ensino, ele apenas está adequando-se ao sistema quando decide aproveitar seu tempo com coisas que ele julga mais interessantes, como a flexibilidade do rabo da lagartixa, por exemplo. Um aluno que compra trabalho sabendo exatamente o que está fazendo, sabendo exatamente qual é a lacuna do sistema e sabendo como ele, aluno, é posicionado dentro deste sistema, para mim, é um aluno inteligente. É um alguém que sabe ler o que está ao seu redor e juntar suas forças para o que julga ser mais adequado ao seu plano de vida. Só que o livre-arbítrio (de decidir qual trabalho se deve ou não fazer) não é algo tão simples e é óbvio que este tipo de aluno é uma raridade, porque é um aluno que está enquadrado criticamente na sociedade e a grande maioria dos alunos decidem comprar um trabalho acadêmico por comodidade mesmo, o que, no fundo, não desmerece tal esperteza de tentar driblar um sistema tão aquém.

Eu mesma lembro de ter decidido quais matérias eu deveria me dedicar ou não na universidade, e lembro de ter analisado quais eram as possibilidades que existiam de eu driblar o sistema para conseguir me formar. Tem coisas que eu, deliberadamente, optei por não aprender. E optei por fazer isso mesmo sabendo dos riscos de um futuro incerto, do qual eu me tornei a única responsável (a escolha foi minha, única e exclusivamente). Não dizem que é o aluno que faz seu curso? Pois bem, decidi ter o livre-arbítrio de fazer o meu, de guiar meu destino. A diferença é que eu fiz isso de uma forma consciente, de uma forma a desafiar um sistema e não de uma forma a ser engolida por ele quando se faz algo sem saber exatamente o que se está fazendo. Aí sim, a compra de trabalhos pode ser cruel, o ctrl-c/ctrl-v passa a vender gato por lebre e o livre-arbítrio se torna uma faca de dois gumes.