É para parir uma tese, e não um filho!



As pessoas têm me dito que sou radical, que tenho criticado demais as alunas de pós-graduação que geram seus filhotes no meio do processo ou que escolhem fazer um mestrado ou doutorado justamente para aproveitar a bolsa e o "tempo livre" para, enfim, cuidarem dos seus rebentos em paz. Eu sou mulher, tenho 30 anos e, claro, a idéia de ter um filho é uma constante na minha vida. Também é óbvio que esta idéia de aproveitar os benefícios do sistema de pós-graduação, com suas bolsas de estudos, faz presente em minha mente. Está presente mas eu não concordo, embora muitas vezes eu pense seriamente em chutar o pau da barraca porque, já que o sistema é assim, é muito mais interessante eu ter os tais dos filhotes. Mas, contrariando esta linha de raciocínio, eu decidi parir uma tese antes de parir um filho. Eu decidi me dedicar a parir uma tese porque se eu tivesse parindo um filho eu certamente estaria me dedicando a ele de corpo, alma e mamas. Enxoval, fraldas, mamadeiras e chupetas para serem esterelizadas, cólicas e choros que iriam me roubar o dia e que eu iria adorar. E, com tudo isso, dane-se a porra da tese de doutorado (ou de mestrado). E dane-se porque o sistema foi feito para passar mesmo - sim, por conta da endogamia (como eu adorei esta palavra!) -, e não seria na minha vez que me reprovariam.

Acho que há uma grande diferença entre escrever uma tese de doutorado (ou de mestrado) e de querer ter um filho, ops!, um título de doutor (ou de mestre). Politicamente, nesta hora, é claro que eu sou forçada a pensar no país, na podridão do seu sistema educacional e o que depende dele. Quer dizer, alguém tem dúvidas de que uma reforma política no país deveria começar por uma reforma na educação? Que o país deveria investir em uma população pensadora e crítica para que ele cresça? Mas o que acontece é o contrário. Recentemente o governo cortou as verbas para o Ensino Superior. E recentemente o governo votou aumento nos próprios salários. Mesmo que os fatos tenham acontecido em governos diferentes não se tem como negar haver alguma coisa de errada no reino da Brasilândia. Tá, e o que tem as mulheres grávidas que se apossam de vagas públicas da pós-graduação? Tudo! E neste pacote pode-se incluir outros tipos de alunos, homens e mulheres, igualmente sem tempo e com outros interesses. Alunos que fazem cursos de pós-graduação apenas visando a bolsa e esta para lhe servir com outros propósitos não vão, sequer, fazer a pesquisa que eles próprios gostariam de terem feito. Porque com outras prioridades, em vez de se ir fazer a pesquisa nos cafundós do judas, onde, de verdade, poderia ser retratada uma realidade específica, vai-se na biblioteca mais próxima e numa comunidade parecida (bem pertinho de preferência) que lhe possa trazer um indicador aproximado e deduzir logicamente o que acontece lá nos cafundós. E eu poderia citar aqui centenas de estudos com esse tipo de "fatos" não tão precisamente descritos porque a própria metodologia de pesquisa dá margem para que isso aconteça. Então, com outras prioridades, pode-se ir trocando tudo, e esquecendo algumas coisas também pois, de fato, quem é que se importaria que um estudo acadêmico não tenha sido concluído por um projeto piloto e que, portanto, os dados podem apresentar erros? Afinal, eu relatei os dados que eu colhi, e esta foi a minha pesquisa, e pronto.

Então, quando me dizem que sou radical por isto ou por aquilo, em termos de responsabilidades acadêmicas, e porque tem um monte de gente na fila que as têm, assino aqui e para todo mundo ver que, sim, eu sou radical, mas só porque eu tenho uma pequena esperança de que, num futuro próximo, as coisas possam ser diferentes e as pessoas que fazem (ou farão) seus estudos de pós-graduação possam ser reconhecidas por fazerem a diferença.