A Entrevista no Mestrado e Doutorado

Recebi um e-mail com a pergunta: QUAL O SEU CONSELHO PARA SE DAR BEM NA ENTREVISTA? Entevista aqui, refere-se à etapa final da candidatura para o mestrado e/ou doutorado.

De imediato, a minha tendência é responder em letras bem garrafais: É SÓ DIZER AQUILO QUE A BANCA, PRINCIPALMENTE O ORIENTADOR EM POTENCIAL, QUER OUVIR. E mantenho. A coisa vai mesmo por aí. Resta então saber o que é que a banca quer que você responda. Uma matemática bem simples, por sinal.

Vamos as conjecturas: o que, afinal, uma banca espera de um aluno de mestrado e doutorado?

1. Publicação. E com o nome do orientador a tira-colo, mesmo que ele não tenha participado do "paper" (artigo em revista especializada e indexada pelo Qualis-CNPq como "A Internacional", de preferência), do livro, do capítulo de livro etc e tal. Afinal, crê-se que o mundo acadêmico seja medido pelo número destas coisas que o programa têm (isso inclui produção acadêmica tanto de professores quanto de alunos). Muito mais o número do que a qualidade, embora já existam movimentos indo na direção inversa e que eu, particularmente, acho muito mais interessante. De qualquer forma, para a entrevista, como não você não dá murro em ponta de faca (eu, pelo menos, não recomendo), e independente de suas próprias crenças, é óbvio que você terá que ser categórico e deixar bastante claro que HAVERÁ DEDICAÇÃO EXCLUSIVA de sua parte ao programa. Entende-se por dedicação exclusiva aquele 100% de sua vida destinado ao programa. Se você trabalha, é como se você pudesse dizer que o seu sonho é a pós-graduação e que você não vê a hora de se livrar do emprego que tem para virar a mesa, escrever textos, pesquisar e produzir integralmente.

2. Subordinação Ideológica. Também é comum haverem questionamentos ideológicos, em termos de conhecimentos específicos e cientificos relacionados ao tema do seu projeto. É claro que seu projeto de Borboletas Azuis deve ser enviado à um professor que estuda Borboletas Azuis e não àquele professor que você acha que teria mais chances de debater Borboletas Azuis com você, mas que tem como alvo Cratera de Vulcões. Tentar convencer a banca de que Borboletas Azuis e Cratera de Vulcões são diferentes, mas têm mesma base cientifica é correr um risco desnecessário. Afinal, é o seu projeto que deve se adequar ao estudo do professor e não o contrário. E embora você ache que o encontro entre Borboletas Azuis e Crateras de Vulcões seja o melhor encontro do século em termos de ciência, revolucionário, inclusive, você pode sutilmente se esbarrar na insegurança do professor orientador. É que estes, na maioria das vezes, optam por fazerem o bom e velho feijão com arroz e, caso você não tenha encontrado o professor fora da regra (e onde vale o risco), vai esta dica que dou de graça: se o professor questionar sua lealdade acadêmica em relação à linha de pesquisa dele, certamente ele não estará querendo questionar o quanto revolucionário você é, mas o quanto de problema você vai levar para ele. É aí que um bom projeto (adequado ao que o cara pensa, inclusive inédito já que uma coisa não tem a ver com outra) com o mínimo de problemas é a melhor pedida para a futura relação orientador-orientando. Veja bem, não é porque você quer mudar o mundo que aquele cara, o único que pode ter um tema a ver com o seu, vai querer mudar o mundo também. Por isso que eu digo: é muito importante saber quem é o possível orientador, o que ele pensa sobre o mundo acadêmico e qual é a posição dele frente ao tema que você está querendo abordar no seu projeto. Neste sentido, é fácil deduzir que um candidato que, no ano anterior, teve conversas de cantina habituais com o possível orientador está bem mais à frente do que aquele que está encontrando o cara pela primeira vez no dia da entrevista.

3. Confiança e Autonomia. É de bom tom você deixar claro que você é o candidato ideal para aquela vaga, e nos moldes exatos que eles estão oferecendo. Se o sistema funciona desde sempre do mesmo jeito não é você quem vai declarar, no dia da entrevista, sua inadequação a ele ou à periferia que o envolve. Isso é suicídio e só vale caso o professor orientador também seja um suicida em potencial, o que eu duvido. E como nem você e nem o professor em potencial são declaradamente suicidas, faz o maior sentindo você se mostrar confiável, que não vai deixá-lo na mão em nenhum momento do curso. Isso inclui sua capacidade de autonomia na resolução de problemas, caso o professor orientador tenha que se ausentar durante um tempo. Independente de qualquer coisa é importante deixar claro (caso você seja questionado) que você vai entregar as coisas no prazo estabelecido no cronograma do seu projeto, e se possível antes (e você espera que seja antes, que o prazo que você colocou já conta com estes possíveis imprevistos etc e tal). Geralmente a questão tempo é levantada nas entrevistas. A banca vai bater nesta tecla porque há uma pressão institucional em relação a isso. O programa de pós-graduação ganha mais recursos financeiros quanto menos tempo ele gastar com cada aluno inscrito.

4. Argumentação. Seu projeto será questionado no dia da entrevista. É preciso que você saiba dominá-lo integralmente, juntamente com assuntos paralelos ou antagônicos. Quer dizer, se você quer fazer mestrado e doutorado, obviamente você perderá pontos caso não saiba contextualizar seu projeto de acordo com diversas linhas de pesquisa, posicionando-o contra ou a favor etc e tal. O detalhe, aqui, é que os seus argumentos devem bater com os argumentos da banca. Repito, querer mudar o mundo logo no dia da entrevista não é uma boa idéia. E neste ponto é de bom tom reler as dicas acima porque fatalmente uma coisa tem a ver com outra.

A última observação que faço, em termos de entrevista, é básica: diga o essencial. Ou seja, responda consistentemente apenas aquilo que lhe foi perguntado. Não é necessário correr o risco de vender lebre por gato, você pode se embananar todo e se queimar sem necessidade. Tenha bom senso e encare o processo como um jogo cheio de regras. Lembre-se de que algumas destas regras estão escritas e outras são subjetivas. E lembre-se também que a entrada no mestrado e no doutorado envolve relações afetivas e subjetividade. Nada é tão frio assim quanto parece, afinal é nesta suposta relação orientador-orientando que o processo se desenvolverá.

Desta feita, não basta você ser o melhor acadêmico do mundo, mas a melhor opção para o orientador em questão.