Meu falido português!

Ontem chegaram os livros da editora. Escrevi um capítulo sobre esporte na escola para o livro de uma colega e desde o princípio tive problemas com o editor, que queria mudar meu estilo lingüístico. Eu briguei porque o meu estilo é o meu estilo e ninguém além de mim pode alterá-lo. É simples!

Mas ontem chegaram os livros da editora. Eu, orgulhosamente, fui ler meu texto, mostrar para minha mãe. Meu Deus! No segundo parágrafo eu não me reconheci. Pensava com meus botões: "não é possível, eu não escrevi isso! Não desse jeito!". E um pouquinho mais adiante: "será que meu português piorou tanto assim?". Claro que hoje eu liguei o computador para pegar meu original e comparar com o texto editado. O resultado disso?

Texto da Editora
Retomando os PCNs, consideram-se esporte as "práticas em que são...."

Texto da Fernanda
E, retomando os PCNs (Parâmetros Curriculares Nacionais), tratar-se-ia das "práticas em que são..."

A editora tirou meu E porque alguém um dia disse que é feio usar E no início de frases. Só que eu gosto, acho que quebra um pouco o ritmo do texto e dá um certo volume. É feio para alguns, mas não é errado. Então eu pergunto: por que a editora apenas não tirou o E e deixou o resto da frase como estava? "Retomando os PCNs, tratar-se-ia blá blá blá blá". Tá, vamos ao sujeito, ao predicado e à pontuação:

1. Quem considera(m) o esporte práticas? Os PCNs? Sim, os PCNs! E estes representam o sujeito da frase.

2. Se o sujeito da frase são os PCNs, eles "consideram-se" a si próprios? Ou eles consideram que o esporte são práticas que blá blá blá blá?

3. Se os PCNs são o sujeito da frase, por que há uma vírgula antes do verbo? Todos sabem que, numa oração simples, não se separa o sujeito do predicado por vírgulas. Afinal, ficaria estranho uma frase do tipo "o gato, subiu no telhado". Sem a vírgula fica muito melhor, não tenho dúvidas!

O que eu acho mais engraçado nesta coisa toda é que, além de tudo isso, alteraram o meu tempo verbal. É! "Tratar-se-ia" é muito diferente de "consideram-se". Outra frase, outro sentido. Que pena! Quando tiraram o meu E da frase, tiraram meu aposto. Só que era ele que me permitia colocar vírgula antes do verbo. Permitia isso porque os apostos sempre são colocados entre vírgulas.

Quem lê meus textos acadêmicos reclama do fato dos meus parágrafos serem longos e com poucas vírgulas. São longos mas, na maioria das vezes, estão corretos. Inclusive em relação à pontuação. Eu já estava chocada com as mudanças da editora logo no segundo parágrafo, quando cheguei ao terceiro (com uma certa esperança de que seria diferente). A partir daí pipocaram meu texto em vírgulas (acho que tentaram simplificar frases compridas, e erraram muito). Agora ele parece mais um carro andando em primeira marcha (a editora colocaria uma vírgula aqui, por exemplo) do que algo fluente. Alteraram verbos, palavras, setenças que, agora, envergonham. Certamente eu própria não indicarei meu texto (que não é mais meu) para alunos, amigos e professores. Também não indico esta editora. Infelizmente!

Eu fico emputecida com esta linguagem acadêmica empobrecida em que as frases são construções simples e se resumem ao sujeito, verbo, predicado, ponto, sujeito, verbo, predicado, ponto, sujeito, verbo, predicado, ponto. Frases curtas e superficiais revelam um texto primário, de escola mesmo, não um texto universitário.

O gato subiu no telhado. Em cima do telhado ele abanou o rabo. O rabo do gato era malhado. O gato não era malhado, só o rabo é que era. O gato subiu no telhado.