Papers de Mel e Pesquisadores de Chocolate

Ah, pois eu então lhe digo porque tanto me incomoda estar onde estou. Para os desavisados, a idéia de montar este blog foi por conta de um processo seletivo para o ingresso ao doutorado, nos idos de 2005. Então eu escrevi A Banca, e questionei a ética da coisa. A história rendeu, um professor, em negociata, tomou as dores, estava certo de que eu deveria passar por cima de todas as desavenças e então fazer doutorado, porque meu lugar era no doutorado e coisa e tal. Em parte eu concordava, eu passei quase três anos tentando encontrar uma vaga de doutorado que fosse a minha cara e não achei. Nem aqui, nem fora do país. É que no doutorado, por mais autonomia que o estudante tenha em relação ao seu orientador, tem muitas coisas entre o céu e a terra do que sonha nossa vã filosofia. São contratos escusos, e a ética é facilmente confrontada. Seja aqui, seja ali.

Não faço muito segredo de que, então, não estou onde eu gostaria de estar. O primeiro detalhe é que fiz o projeto de doutorado para ser orientada por um professor, e me restou outro. É aí que os problemas surgem, pelo preço que cada um resolve pagar, seja pela endogamia acadêmica, seja pelas relações das quais se espera ganhar com o outro.

Também já falei aqui sobre a engodamia dos livros, criticando as correntes de autores. Já falei dos sustos que levei no grupo de estudos e já passou um bocado de tempo de tudo isso. Mas, então, a coisa se repete, sempre repete (e foi um dos motivos de eu ter encerrado este blog em outra ocasião). A coisa se repete e eu fico com vergonha alheia.

Querendo ou não querendo, quando eu disse sim à orientação de doutorado eu aceitei o jogo. Pelo menos o jogo da instituição que me abrigou. E para ir mais além, sou bolsista do CNPq. Mais institucional do que isso, só pegando mais verbas na reitoria de pós, o que não vai acontecer tão cedo porque estou querendo me manter à distância.

Eu sei que não sou uma pessoa 100% ética, ou apenas já cansei de lutar contra algumas coisas. Mas tem coisa que não dá para não ser ética. O fato é que eu estou passada com a negociação via e-mail que está acontecendo com meu grupo de estudos (do qual faço questão de me ausentar, pela cretinice dos acontecimentos vigentes por lá). Agora resolveram fazer uma lista (exceção feita ao meu nome, ainda bem) de todos participantes. A idéia é simples e não é novidade no meio acadêmico. Para cada resumo que um dos participantes enviar para uns dos congressos de maior prestígio na área – já questionado por mim – acrescenta-se todos os outros nomes do grupo de estudos, criando-se uma rede. Um pesquisador de chocolate acaba fazendo apenas um trabalho e ganhando outros 5, ou 6, ou 7, dependendo do número de integrantes escusos e complacentes do tipo “me add que eu te add”. [Parênteses: esta minha comparação com o mundo internetês é injusta. Na internet, um sistema de redes, há muito mais instrumentos de combater esse tipo de ação para que sites e blogs subam seu page rank do que sonha o mundo acadêmico, uma questão de seriedade].

Meus ombros suportam o mundo, mas não suportam pesquisadores vagabundos. Por isso não carrego nomes sem sentido, apenas de gente competente e que, de fato, contribuiu para o estudo. Mas nessa corrida papers de mel, promovida pelas instituições regulamentadoras (que eu apoio, já disse em outras ocasiões) têm contribuído para o outro lado da moeda deixando a coisa um pouco à deriva. Talvez seja a hora deste sistema acompanhar os esforços das redes sérias que se criam pela internet. Com ela, os jovens aprendem que sozinho não se ganha o mundo, nem com fraudulências. É que na internet os mecanismos de buscas e ranqueamento de sites e blogs já rastream e punem que faz uso de links como uma rede para ganhar acessos, dentre outras coisinhas a mais.

Navegando e aprendendo.

Abaixo a troca de e-mails dos Pesquisadores de Chocolate em busca de Papaers de Mel:

E-mail 1: Olá pessoal, vcs irão mandar resumos para o congresso em Porto Alegre? O que vcs acham de cada um fazer um e colocar os nomes dos outros no trabalho, pois dessa forma (como fazem em outros institutos) todos terão mais publicações e também, não sei se todos poderão ir até o congresso para apresentar ou expor. Abraço.

E-mail 2: Olá pessoal! Eu concordo plenamente. Pretendo fazer um resumo ampliado. Vamos ver se consigo. Fiquem com Deus.

E-mail 3: Concordo!

E-mail 4: Bom, se todos estamos de acordo, faremos o seguinte, cada um envie organize um resumo e coloque o nome de todos. Só para confirmar os nomes completos são esses: Beltrano de Tal [este é o orientador dos alunos, inclusive o meu, que vergonha! Me digas com que andas, professor, que te direi quem és], Fulano de Tal, Cicrano de Tal, Lá lá lá de Tal, Li li li, Ló ló ló. Não sei se alguém mais vai mandar (Lê lê lê de Tal? Lu lu lu? Tan tan tan?) Lembrando que cada autor pode ter até 6 trabalhos, Abraço a todos.

E-mail 5: e cada trabalho pode ter 6 autores.

Rá! Fizeram as contas? Em uma tacada só, o pesquisador de chocolate pode, de 6 trabalhos, ter bem uns 30 papers de mel. Rá! Quanta vergonha! Quanta vergonha!